O grupo Pândegos de África surgiu em 1897 e, assim como a Embaixada Africana, organizava seus desfiles com vistosos carros alegóricos e ricos figurinos – por isso é possível enquadra-lo no que denominamos “clubes uniformizados negros” (seguindo a classificação proposta por Raphael Vieira Filho). Os registros mostram que também era seguido por muita gente, com desfiles acompanhados por multidões.
Tematizando a África mais próxima dos nagôs, os Pândegos de África desfilavam com carros alegóricos que conduziam foliões vestidos de reis, ministros e feiticeiros africanos. A multidão negra tomava as ruas, cantando frequentemente canções em língua iorubá ao som de atabaques, os mesmos tambores usados nos cultos afro-brasileiros.
Muitas das reuniões e assembleias do Pândegos ocorriam no palacete Maciel de Baixo, o que denota certa influência na cena social e política da cidade à época. Além disso, tanto os Pândegos de África quanto a Embaixada Africana, emitiam comunicados sobre suas atividades, ensaios, assembleias e encontros, alguns inclusive nos importantes teatros São João e Politeama, dado que a imprensa exaltou.
De ordem do Sr. Presidente, convido os srs. sócios em gozo de seus direitos e atrasados, para reunirem-se em assembleia geral domingo 22 do corrente, as 2 horas da tarde, no palacete do Maciel de Baixo, para tratar-se de negócios urgentes.
[Jornal de Notícias, 20/07/1900]
É importante destacar que em 1900 o Pândegos de África elegeu o intelectual negro Manoel Querino como presidente da agremiação para o período entre 1901 a 1902. Esse é um fato importante pois Manoel Querino foi um tipo de mediador cultural que atuou na interface da intelectualidade baiana do período, sendo relevante pesquisador, abolicionista, professor, entusiasta da cultura afro-brasileira, ativista, membro do IGHB e autor de diversos livros e artigos sobre a cultura popular e cultura afro-brasileira e baiana. Assim, entende-se que ele pode ter sido importante no processo de legitimação desse coletivo junto a setores médios, de elite e letrados de Salvador, ajudando a promover a circularidade de práticas entre grupos sociais distintos. Cabe destacar ainda que no 5° Congresso de Geografia realizado em Salvador em 1916, Querino apresentou trabalho tratando da cultura afro-brasileira e detalhou o Pândegos de África, o que denota seu esforço na articulação de temas relacionados à africanidade a partir de canais intelectuais da época.
Por outro lado, para Nina Rodrigues, o Pândegos era mais africano e com traços mais inadequados que a Embaixada Africana, pois ao invés de exaltarem uma África com a cultura dos egípcios e abissínios, trazia os nagôs ao proscênio. O médico, motivado por um olhar eivado do racismo científico, descreveu os desfiles de 1899 do Pândegos – de acordo com seus registros havia 3 carros alegóricos, o primeiro com o rei Labossi à margem do Zambeze e em companhia de seus ministros Auá, Oman e Abató; o segundo com dois figurões influentes da corte Barborim e Rodá; e o último representando a cabana do feiticeiro Pai Ojô e sua mulher com o caboré do feitiço, a dar sorte a tudo e a todos. Além dos carros havia, ainda, a charanga africana que “vinha a pé com seus instrumentos estridentes e impossíveis”. Ao fim da descrição afirma que o clube era uma espécie de “candomblé colossal”, formado por uma compacta multidão de negros e mestiços cantando cantigas africanas, sapateando as suas danças e celebrando os seus ídolos ou santos que lhes eram mostrados do carro do feitiço.
Segundo as informações de Edison Carneiro (1947), o Pândegos de África foi fundado por Bibiano Cupim, que foi também o vice-presidente do conselho diretório do clube em 1900. O fundador havia sido açougueiro, banqueiro de jogo do bicho e carpinteiro prior da ordem terceira do Rosário e membro da Sociedade Protetora dos Desvalidos. (BUTLER, 1998) Nesses termos, entende-se que, assim como Querino, Bibiano atuou como um mediador cultural, circulando em diversos ambientes, promovendo o tráfego de elementos simbólicos e acumulando prestígio, o que facilitou e azeitou a viabilidade da agremiação.
Cabe destacar, por fim, sobre a hipótese da circulação e mediação cultural, que Manoel Querino e Bibiano Cupim foram associados ao Centro Operário da Bahia, o que denota que esses dois indivíduos influentes no Pândegos circulavam por associações religiosas, festivas e trabalhistas com desenvoltura, fato que possivelmente teve repercussão no coletivo.
Havia ainda outros integrantes com boa condição financeira como Juvenal Luiz Souto, mestre de carpintaria e proprietário de imóveis e terrenos, além de Silvério Antônio de Carvalho, artista e proprietário de imóveis. (ALBUQUERQUE, 2002) Os integrantes citados fizeram parte da direção do clube, o que demonstra, mais uma vez, que provavelmente os indivíduos de maior proeminência econômica e social tinham ascendência de poder na entidade, apesar desta ser majoritariamente composta por homens negros e pobres – que nas ruas, segundo registros da imprensa, chegavam a contar com cerca de 150 membros.