No período estudado a presença negra não se restringiu aos dois grandes clubes uniformizados negros. Existiram outras formas de organização menores, além da participação mais ou menos avulsa de segmentos negro-mestiços soteropolitanos que compunham a parte mais pobre da população. De modo generalizado, os batuques e as máscaras avulsas eram os principais alvos de críticas por parte da imprensa, e mais ostensivamente coibidos pela polícia. A justificativa da imprensa para a proibição aos batuques era a inadequação destes à estética carnavalesca que pretendia emular os centros europeus, além da preocupação quanto ao agrupamento de afrodescendentes pobres tocando, bebendo e circulando mais ou menos livremente pela cidade. Deve-se destacar que mesmo com a atuação da polícia na repressão, esta não conseguia inviabilizar as manifestações indesejadas, por isso, as forças de segurança pública eram frequentemente colocadas sob suspeição na ótica da cobertura jornalística que descrevia o povo nas ruas no Carnaval como maltrapilhos, associando-os à ocorrência dos crimes e violências.
No Correio de Notícias de 28/02/1900 depreende-se claro incômodo com os africanismos populares:
É devido a “macacada” que todos vós me lede, este ano ‘Negros e diabos, diabos e negros, negros diabos, negros diabos, diabos negros, pois que todos os clubes vêm do inferno, ou de África.’ Alvorada Carnavalesca vem cheia de interessantes prosas e versos e muitos anúncios.
O mesmo tipo de olhar da imprensa se nota em no jornal A Coisa de 22/02/1900, quando expressa seu desapreço pela africanização do Carnaval:
Até que afinal chegou o Carnaval, não o Carnaval luxuoso, o grande Carnaval de pouco tempo. Um Carnaval pobretão, macambúzio, vestido a Africana e a rufar caixas desafinadas.
Ainda nessa perspectiva, o mesmo veículo reproduziu uma nota do Chefe de Polícia em 08/02/1902:
O Dr. José Maria Tourinho, chefe de polícia, recomendou as delegados das 1ª e 2ª circunscrições que façam proibir terminantemente a exibição, nos três dias do próximo Carnaval, de clubes ou grupos de mascarados, representando trajes ou costumes africanos, e bem assim a dos que, aproveitando-se dos disfarces peculiares aos festejos carnavalescos, infrinjam os limites da decência e do respeito à moral pública. Se observada, a resolução a que nos referimos é digna de sinceros encômios.
A existência dos pequenos grupos de samba, cordões e batuques só pôde ser acessada nas fontes jornalísticas a partir de reclamações e cartas publicadas nos jornais como as que foram acima destacadas, o que certamente foi um limitador para que se pudesse fazer descrições mais acuradas. A partir das fontes acessadas percebeu-se que as distinções entre os grandes clubes negros e os batuques eram, fundamentalmente, que os primeiros eram tidos como negros que conseguiam se aproximar do comportamento e dos gostos considerados aceitáveis, pois mais afinados a um padrão europeizante, ao passo que os outros simbolizavam o negro tido como em estado bárbaro.
Havia ainda os afoxés, caracterizados pela saída à rua nos dias de Carnaval de grupos com raízes em candomblés, levando elementos das festas e cultos afro-brasileiros, sendo uma espécie de mostra de rua das tradições das religiões de matriz africana, com uso de roupas, temáticas e cânticos análogos a estes. Pensando a partir da lógica da difusão e dos contatos culturais, os pesquisadores Edison Carneiro e Artur Ramos concordaram que os afoxés têm origens comuns com Maracatus, Cacumbis e desfiles de Reis Congos.
Em 1936, Donald Pierson (1936, p. 246-247) descreve os afoxés:
[…] cercados por um quadrângulo de corda, alguns marchando á vontade, outros dançando e girando constantemente. Todos cantavam canções africanas e batiam palmas. Um estandarte geralmente de seda e veludo, trazia o nome do grupo. Podia ser Otum Obá de África, Ideal Africano, Onça, como qualquer outra designação semelhante. O grupo compreendia também de 10 a 15 músicos com instrumentos de sopro, alguns pretos com trajes africanos e um dançarino mascarado com cabeça de animal (tigre, leão, onça, etc.). As mulheres e as crianças pequenas vestiam-se geralmente à baiana.
Para além dos afoxés, não fica claro nas fontes se todos os grupos vestidos com “saia e torço”, acompanhados de tocadores executando músicas com atabaques e caixas, eram afoxés ou o que se denominou genericamente como batuques. Os batuques, uma brincadeira de rua sem uma vinculação religiosa mais evidente, eram nomes genéricos para manifestações lúdicas de matriz africana, com danças e cantos e geralmente com o uso de atabaques e possivelmente outros instrumentos como xequerê, agogô e outros. Pierson registrou que existiam as batucadas, usualmente compostas por 10 a 20 homens negro-mestiços, diferindo dos Cordões Negros, de mesmo perfil étnico, porém com integrantes de ambos os sexos e em maior número, chegando a 100 componentes. Ambas as manifestações tinham o acompanhamento de cantigas e instrumentos de matriz africana. Ao fim, contudo, é possível que houvesse uma permeabilidade entre integrantes dos diversos tipos de coletivos, inclusive com mudanças nos nomes de um ano para o outro dado o baixo grau de institucionalidade, diferentemente de agrupamentos com o Pândegos, a Embaixada e mesmo outros intermediários.
É importante dizer que as manifestações negras no Carnaval de Salvador no período contavam com o influxo de práticas comuns a outras expressões dessas populações. Assim, existem elementos das Irmandades e Confrarias, outros derivados da associação para o trabalho e os locais coletivos de moradia, o que auxiliou na formação de cordões e pequenos blocos. Havia ainda elementos musicais que eram afins aos candomblés e aos reisados.
Entre 1905 e 1914 a repressão aos grupos africanizados se intensifica, influenciando na emergência de cordões com temática indígena, como os Filhos da Selva, registrado pelo Jornal de Notícias de 17/02/1912. Nesses cordões, os personagens eram de inspiração indígena, porém a morfologia do préstito era de modo evidente inspirada nos afoxés. Havia quase que invariavelmente um carro-estandarte, clarins e outros elementos destes. Curiosamente, o Filhos da Silva saía do Tororó, mesmo bairro de saída da Embaixada e décadas depois de importante blocos de temática indígena. Essa estratégia de sair como bloco de índios funcionou por pouco tempo, até a proibição destes também.
Em 1916 reaparecem os clubes com referências explícitas à África. Vieira filho (1995) menciona o registro dos coletivos Africanos em Folia, Samba das Mulatas, Mamão em Romaria, Creoulas Independentes, Nagôs em Folia, Bloco dos Africanos, Creoulas em Folia, Pape em Folia, Bahianas em Folia, Pape em Romaria, Cavalheiros de África, Africanos em Pândega, Creoulas Caprichosas, Africanos de Épocha, Guerreiros Africanos, Lembrança dos Africanos, Condes d’África, Congos da África, Mulata Endiabrada, Acoché em Folia, Pão Dendê, Lanceiros de África, Bambá sem Dendê, Mulatinhas da Fuzarca, Pape Sacode e Otum Obá de África. Todos esses, devido a pobreza das descrições na imprensa após 1920, não puderam ser melhor caracterizados, mas provavelmente eram afoxés ou variações na forma de cordões. As referências que existem denotam que os coletivos remetiam frequentemente a orixás, voduns e inquices, assim como utilizavam roupas vindas da África ou nelas inspiradas. Todos desfilavam em cortejo com animados batuques. Algumas agremiações saíam com o Babalotim, um boneco típico dos afoxés e maracatus e cuja função era proteger os foliões do mal olhado.