Nome: Inocentes em Progresso
Fundação: 1899
Primeiro desfile: carnaval de 1900
Último desfile: carnaval de 1988
Fundadores: Inácio Martins Angra, Emílio Cassiano
da Silva, Florentino Silva e Isidro Queiroz Monteiro
Outro clube que merece destaque é o Innocentes em Progresso. Ainda que nem sempre tenha se equiparado ao Cruz Vermelha e ao Fantoches em termos de luxo ou favoritismo na conquista das competições de melhor clube carnavalesco, o Innocentes deixou a sua marca no Carnaval de Salvador como um clube que sempre apostou na originalidade, com desfiles que se diferenciavam dos outros grandes préstitos. A imprensa sempre o bajulou muito, considerando-o um “grande clube” e dispensando a ele a mesma atenção que para os demais.
Fundado em 1899 e desfilando pela primeira vez em 1900, o Innocentes foi criado por um grupo de comerciantes de menor poder aquisitivo, que, pelo que consta nos registros da imprensa, seriam dissidentes do Fantoches da Euterpe. Sua estreia foi bastante comentada, já que desfilaram pelas ruas centrais da cidade cinquenta homens fantasiados de bebês. Esta fantasia inusitada se transformaria na marca do clube.
O Innocentes surge no vácuo deixado pelo Cruz Vermelha e pelo Fantoches e aproveita muito bem da situação, sendo considerado, já em 1902, o destaque do carnaval.
Neste ano eles homenagearam Santos Dumont e fecharam o desfile com seus emblemáticos bebês.
Os Innocentes em Progresso enviaram-nos um programma da organização de seu préstito que percorrerá as ruas hoje e terça-feira, tendo à frente luzida charanga.
Em seguida a esta irão um arauto, dois clarins, um carro em homenagem a Santos Dumont, carro da Estrella Dalva e Lua, com duas gentis creanças ante a figura de Santos Dumont sobre o globo terráqueo; a Gloria, o astro rei, o carro do estandarte, um carro com uma grande águia, dominando um trophéo de bandeiras de todas as nações, cavalheiros, guarda de honra, no carro com o balão Dumont n.8, duas criancinhas symbolizando o norte e o sul da República Brasileira e finalmente os carros dos bebês etc.
[Diário da Bahia, 09/02/1902]
A imprensa, contumaz apoiadora da campanha civilizatória na Bahia, viu no Innocentes um aliado potencial para este projeto e não cansou de enaltece-lo e o incentivá-lo a seguir os passos dos grandes clubes que o antecederam. Esse empurrãozinho foi fundamental para que o clube não apenas se tornasse cada vez mais popular entre os foliões, mas também investisse cada vez mais esforços para a beleza das suas apresentações públicas. Em agradecimento a este apoio explícito, no ano de 1903 o clube presta uma homenagem à imprensa com um carro alegórico que trazia todas as capas dos jornais locais confeccionados em cetim.
[…] esta bela festa que a tradição nos transmitiu de nossos antepassados e que a geração atual vai aperfeiçoando, aprimorando-a de requintes estéticos no crisol da civilização e do progresso do século.
– É todavia de justiça salientarmos a excelência dos Innocentes em Progresso, que souberam conquistar um lugar proeminente no brilhantismo dos aludidos folguedos, dando-nos a um tempo a nota do luxo, do gosto e da crítica, remontando-nos, por isso mesmo, às saudosas eras em que se degladiavam nesta capital os aplaudidos Fantoches e Cruz Vermelha.
O percurso desse club pelas nossas ruas foi uma serie ininterrupta de triumphos e de applausos, conquistando o seu victorioso estandarte oito custosas coroas, além das serpentinas e confetti com que as famílias e o povo o cobriam.
Traziam também o Innocentes, em seu préstito, um carro alegórico com bonita homenagem à imprensa, gentileza que, pelo que nos toca, sinceramente agradecemos.
[Diário da Bahia, 26/02/1903]
Em 1904, pela primeira vez, ele divide as ruas com os notórios Cruz Vermelha e Fantoches de Euterpe. O retorno dos emblemáticos clubes não retira, contudo, o brilho do caçula Innocentes em Progresso.
Este clube, que até o ano passado (desde 1899 em que foi fundado) era nota única e seria do Carnaval, ainda este ano deixou bem patente o esforço e a dedicação de seus associados, que não dispondo de elevados recursos, com a modéstia embora do pobre, apresentaram o correto préstito que tantos elogios despertou.
[Correio do Brazil, 17/02/1904]
O Innocentes ficou conhecido pelo deboche, pela crítica e pelo humor que se valia para dar vida aos seus enredos e aos seus “carros de críticas” – carros alegóricos que tinham por objetivo exclusivo o exercício da sátira ou da crítica.
Alguns exemplos dessa característica marcante do clube: nos seus primeiros anos de existência apresentaram a “mala-monstro”, uma alegoria que ostentava um número gigantesco de selos da alfândega e, escondidos, grandes crocodilos prontos para dar o bote (uma referência às medidas do fisco da época); também fizeram uma crítica aos fios dos bondes com a figura de um sujeito gigante com dificuldades para transitar pelas ruas da cidade sem encostar na fiação. Em 1907, os famosos bebês do Innocentes voltaram para representar, cada qual, um Estado do país na alegoria “Energia da União”. Também compunha este carro uma enorme mamadeira que era devorada por um personagem esfomeado que, neste caso, estava representando a Capital Federal. Para o Innocentes, a capital do país sugava todos os recursos públicos, enquanto os demais estados ficavam famintos e desassistidos.
Durante os três dias de reinado de Momo era comum encontrar críticas nos cortejos das grandes e pequenas entidades carnavalescas – seja à loteria, ao novo regime, à estrutura física da cidade e até mesmo às figuras públicas. Porém, especialmente depois de 1905, elas não podiam desfilar sem antes passar pela avaliação do poder público. Nesse sentido, as autoridades faziam uma distinção entre o que era passível de punição por ser “ofensivo à moral pública” e o que devia ser permitido por se tratar de uma crítica elegante, divertida e inteligente.
O Innocentes, no entanto, não se restringia apenas a esse ar jocoso – a mitologia greco-romana e as referências históricas de progresso ocidental também compunham os seus desfiles. Prova disso, em 1904, as figuras do conquistador Cristóvão Colombo e de Amphitrite, a deusa dos mares na mitologia grega, foram representadas em linguagem carnavalesca.
O carro do estandarte, um bem idealizado primor artístico, era um conjunto, salientando-se a figura de Colombo, o glorioso navegador e o descobridor do continente americano
Após esse carro seguia-se o carro da Inocência e da Graça, representados por gentil senhorita e encantadora criança, que dominavam soberbo leão.
Via-se depois a alegoria à Liga da Educação Cívica.
Carros com sócios, lindamente enfeitados, o carro de Amphitrite, o de Dianna precediam o carro da Mãe deles (Innocentes) qual era uma boa velha, cansada já pelos anos e mais ainda pelas travessuras dos filhos, e que descuidado- somente se deixava enlear pela intérmina trama de uma renda de almofada.
E, depois desse, o carro do Pai (também deles) um bom velhote, gorducho e anafado, que nos filhos revia as glórias que Momo lhes reserva para os futuros festejos carnavalescos.
E vários adiante.
Pelo delírio das aclamações das aclamações, pelo entusiasmo do povo, já se sabe quem passam os sempre vitoriosos.
[Correio do Brazil, 17/02/1904]
Com um grupo de dirigentes e de associados sempre muito dedicado, o Innocentes foi se consolidando, ano a ano, como um personagem central do Carnaval de Salvador.
Vai tomando papel saliente o simpático club Innocentes em Progresso, que anno a anno apresenta-se com muito gosto e luxo nas festas carnavalescas.
[Correio do Brazil, 04/03/1905]
O Innocentes em Progresso foi o clube, dentre os três maiores, que mais resistiu às intempéries do tempo e, assim, que por mais vezes desfilou nas ruas durante o período de carnaval. Prova disso, ainda na década de 1910, quando Cruz Vermelha e Fantoches quase não apareciam mais, o Innocentes era considerado pela imprensa como “o incansável sustentáculo da Bahia”.
Mesmo com o número de associados reduzido, o clube fazia questão de não perder a oportunidade de marcar seu lugar e seu nome nos festejos de Momo. Foi o que aconteceu em 1913, quando o Innocentes foi para as ruas com apenas trinta foliões.
Mesmo em marcha lenta – se comparado aos seus anos de maior êxito – o clube não deixou de carnavalizar suas críticas ácidas e ao mesmo tempo divertidas. Em 1919, por exemplo, a imprensa destacou a destreza com que os foliões do Innocentes colocavam suas críticas nas ruas.
Como sempre os Innocentes em Progresso apresentaram boas críticas merecendo destacar a alusiva à sucessão presidencial, em que se vê a Bahia incensando a cadeira da presidência e os urubus corvejando o ponto em que paira a águia; a gratidão da estudantada ao senador Jeronymo Monteiro, autor do projeto de dispensa de exames; e a intendência em leitão, sob os protestos de uma chusma de credores; e a “reserva cívica”.
[A Hora, 05/03/1919]
Ao longo de toda primeira metade do século XX, toda vez que o Innocentes se animava para sair às ruas, a imprensa não escondia a esperança que ainda nutria por ver os três grandes clubes retomando seu lugar no Carnaval de Salvador.
O Innocentes se manteve ativo, apesar de bastante desgastado e se apresentando cada vez mais raramente, até o final da década de 1980. Seu último desfile aconteceu no ano de 1988.