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Reforçando o que foi apresentado no contexto histórico, as batucadas surgem como uma das formas encontradas pela população afro-mestiça de Salvador de participarem da folia momesca. Criadas a partir da segunda metade da década de 1930, e já muito influenciadas pelas escolas de samba cariocas, elas se configuram como personagens decisivos do processo que marcou fortemente o carnaval soteropolitano como uma festa de características acentuadamente negras e populares.
Formadas pelas classes trabalhadoras oriundas de bairros pobres da cidade, as batucadas eram grupos percussivos de pequeno porte. Apesar de, em alguns casos, serem compostas apenas por homens, a maioria era formada por mulheres também. Além disso, era muito comum a participação de crianças, chegando a existir registros de batucadas exclusivamente mirins. Trajados com fantasias coloridas e munidos de seus instrumentos e estandarte, se apresentavam, curiosamente, em fila indiana, contando com porta-estandarte, mestre de bateria, cantores, compositores, passistas e bateria – esta última embalada por apitos, tambores, tamborins, cuícas, agogôs, pandeiros, chocalhos e reco-recos. Seguiam de forma itinerante pelas ruas da cidade tocando sambas consagrados e outros por eles mesmos criados.
“As batucadas representavam uma presença negra que estrategicamente
não fazia apologia à sua origem africana mas a inevitável assunção do samba,
enquanto dança e música, apontava para a afirmação requalificada de um
afro-pertencimento carnavalesco.”
[Antônio Jorge Godi]
A década de 1940, como defende Scott Ickes, pode ser considerada, seguramente, como a “era das batucadas”. Elas reinaram absolutas durante este período, configurando-se como peças centrais dos três dias de folia. Além disso, eram muito requisitadas para animar os gritos pré-carnavalescos que aconteciam em diferentes pontos da cidade durante todo o verão. Mocidade em Mangueira, Estrela do Mar, Filhos do Morro, Malandros em Folia, Cavalheiros da Liberdade, Sussuarana em Folia, Império do Samba, Nega Maluca são alguns exemplos de batucadas que despontaram no cenário carnavalesco soteropolitano.
O período de existência das batucadas é relativamente curto, se comparado, por exemplo aos blocos e cordões. Apesar disso, a intensidade dessas entidades foi tamanha, que, para além da animação que trouxeram para a folia momesca, foram decisivas no estabelecimento da relação do carnaval de Salvador com características afro-baianas (e não mais exclusivamente “africanas”, como eram com os afoxés do período). É a partir da experiência das batucadas que a festa de rua assume um discurso popular poderoso, credenciando as entidades negras como personagens centrais desse novo cenário festivo.
DECLÍNIO E DESAPARECIMENTO
A partir dos primeiros anos da década de 1950, a presença das batucadas no carnaval de Salvador começa a diminuir gradativamente. Na década de 1960 já são praticamente inexistentes no cenário festivo baiano. Mas o que levou ao declínio e posterior desaparecimento dessa manifestação carnavalesca?
Com base em pesquisa documental de arquivos de imprensa da época, bem como das análises de pesquisadores como Antônio Godi e Scott Ickes – que se debruçaram sobre o tema, há alguns motivos que podem ser apontados como potenciais desestabilizadores da categoria das batucadas.
O primeiro é a volta do desfile dos grandes clubes. O principal fato que contribui para esse retorno é o subsídio generoso que a Prefeitura torna a fornecer a essas entidades a partir de 1951. Estas, por mais que não alcancem o sucesso que gozaram no seu período inicial – do final do século XIX até o final da década de 1930, recuperam uma posição de destaque relevante no novo cenário carnavalesco de Salvador. Concomitante a isso, em 1951 surge o trio elétrico e, como se sabe, essa invenção baiana, gradativamente, provoca transformações enormes no cenário da festa, sob diversos aspetos. Ao mesmo tempo em que revoluciona a festa baiana, afasta da folia muitos pequenos grupos populares, como cordões, batucadas, pequenos clubes e alguns afoxés.
Acompanhando esse movimento, a imprensa – que teve papel importantíssimo na promoção incansável das batucadas, diminui de modo significativo o espaço para elas. Durante a primeira metade da década de 1950, ainda é possível encontrar muitos registros (como é possível ver na Galeria de Recortes da Imprensa). Isso diminui consideravelmente a partir de 1955; sendo que, na década de 1960 as aparições das batucadas nos jornais locais são quase inexistentes.
Além disso, há um outro fator considerado de muita relevância no que diz respeito ao desaparecimento das batucadas. É a emergência das escolas de samba no carnaval de Salvador, que acontece a partir de 1957. Neste ano surge a primeira Escola de Samba soteropolitana, a Ritmistas do Samba, que nasce a partir da batucada Nega Maluca, do bairro da Preguiça, sendo considerado o primeiro caso de transformação de batucada para escola de samba.
Muito influenciadas pelo sucesso das escolas cariocas, muitas batucadas – que já possuíam uma bateria na sua composição, passaram a desejar essa transformação. Muitas conseguem e iniciam um outro capítulo do carnaval soteropolitano. Outras transformam-se em cordões ou pequenos blocos, alegando serem opções mais viáveis financeiramente, tendo em vista que não exigiam a compra de fantasias caras, como era o caso das batucadas. Outras, infelizmente, desaparecem totalmente da cena momesca soteropolitana.